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quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Mais um... 

Estranhei-te, entranhei-te. Esgravatei. dexei-te entrar. Fechei a porta. Deixei de te ver. Nunca foste para mim aquilo que és. Nunca te percebi. Amei-te, amei-me por te amar. Conheci-te, porque te amei, porque te conheci. Porque me conheci como nunca poderei ser. Como nunca quererei ser. Nunca serei como a areia e o mar, a tua pele sincera debaixo do sol. Os teus beijos inocentes de um amante usado experimentado. O teu sabor o teu odor. O néctar da verdade que exalavas por todos os poros. Da verdade suprema, única a cada instante. Só daquele instante. A capacidade de viver para hoje e de guardar em frágeis potes de pó das estrelas todo o ontem e o amanhã. Pós de cores que foram tudo e que, como um arco-íris, nunca são iguais. Postos lado a lado na prateleira da tua vida. Deste-me um pouco de ti, para olhar. Não quis levar mais nada. Tive medo. Foi defesa. Foi escolha. Não te culpo. Amei-te por um instante. Amei-me uma eternidade. Por aquilo que me permiti ver. Escolhi. Não me terias escolhido mas escolhi. Gosto de ti. Tudo é hoje e eu fui tudo. Porque não quis! Nos teus braços fui indefesa. Tu mandaste. As tuas pernas fortes que me prenderam ao sonho. As tuas costas geométricas que me mantiveram à tona. Os teus lábios, a tua boca, que me vergaram, me envenenaram. Foi bom!

Não te quero para meu. Não me quero como tu. Foi bom saber que pode ser assim. Não o quero. Gosto de mim por ter vivido, por ter sabido.

Chega agora mais um como tu...

O dia em que fui mais feliz 

Serei tão feliz.
Como fui infeliz.

Cálice Pai!
Compreendi.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Só por existir... 

Por razões óbvias a quem repare no encadeamento das “postas de pescada” que vêm sendo deitadas para cozinhar neste caldo de letras, relembrei “O Admirável Mundo Novo” e claro o Aldie (suponho que também a mim permitas tal tratamento...).
Já estivemos com certeza mais longe do teu mundo novo... Não precisamos do sexo para criar, nascer ou fazer nascer. Não estivemos já mais longe de construir pessoas de acordo com a função exigida para que a sociedade funcione de forma "perfeita" (QIs limitados às necessidades dos serviços para que seremos predestinados). Os sentimentos que em nada contribuem para o funcionalismo da sociedade serão vergonhosos, ... defeitos inconfessáveis; e a felicidade será facilmente comprada em forma de um "aditivo".
Temos consciência da dureza da realidade mas, impotentes perante ela, incapazes de modificá-la, “aditivamo-nos” para estar bem porque esta realidade não nos satisfaz. Sublimamos as nossas angústias, escapamos por alguns instantes. Mas, enquanto houver angústias, ainda haverá algum espaço para a luta, a esperança.

“Só por existir, só por duvidar, tenho duas almas em guerra. E sei que nenhuma vai ganhar. Só por ter dois sóis, só por hesitar fiz a cama na encruzilhada, e chamei casa a esse lugar...”
Jorge Palma

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Sentimento Pinguim 

No outro dia, já há algum tempo, num bar muito engraçado, ouvi uma história, das que se contam às crianças, que me ficou debaixo da língua, ou talvez de baixo da parte do cérebro mais próxima do ouvido, aquela que assim, sem mais nem menos, nos vai segredando pequenos ditos sem importância vezes e vezes sem conta até que se tornam parte de nós.

"Conta-se que, numa época longínqua, no país da Turákia, sempre que uma pessoa abria a boca de espanto, um pinguim saltava lá para dentro e passava a lá morar. Os turakianos sabem que o Pinguim lá se desenvolve. É preciso partir, fazer uma expedição ao fundo de nós. Pólo Sul, Pólo Norte, às zonas geladas, escondidas, guardadas em nós. É preciso fazer o pinguim vir à tona. O pinguim pode ser trôpego, não ser aquilo que idealizamos, mas é nosso...
Liberta-o..."

Gostei desta ideia.
Queria conhecer o meu pinguim, conhecer os outros pinguins fazê-los conviver.

Virar-nos do avesso, mostrar-nos as costuras, as cores garridas não gastas pelo uso, as verdadeiras. Os retalhos e remendos e as roupas sem remendos. Nós sem roupas. Cada um com o seu pinguim pela mão, como um filho de quem se tem orgulho.

Sentimento Pinguim!

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Por enquanto... 

Lá estavamos todos, uns mais felizes que outros, muito juntinhos, em competição por um lugar na fila da direita. Todos tínhamos o mesmo objectivo, todos fugíamos ao amontoado de carros que aumentava cada vez mais à nossa frente. Mudei a estação do rádio. Calmamente... não tenho pressa. Isso mesmo, Rádio Comercial. Vamos ouvir uma fantástica malha para animar.

Não, não tive sorte. Começo a ouvir a apresentação de um jogo com certeza cretino que dá pelo nome de "A bomba". Aos interessados, consiste em mandar parar um palerma que faz uma contagem crescente de números que mais tarde percebi que correspondiam a quantias em dinheiro. Temos então uma guerra em directo entre o conservadorismo de ter um pássaro na mão e a ganância do querer sempre mais. O palerma parou.

A menina perdeu, desta vez a ganância deu maus resultados.
Mas não me incomodam programas radiofónicos imbecis, ainda que possam espelhar qualquer coisa de estranho sobre a nossa sociedade.

Aquilo que me incomodou foi a forma como a nossa menina, a Sónia, se apresentou. Pergunta o locutor:

"Então bom dia Sónia. Antes de jogar "A bomba" conte-nos lá o que faz?"

e diz a Sónia:

"Bom, sou professora ...(poucos segundos depois e diminuindo o volume da voz) ... por enquanto - ou qualquer outra interjeição equivalente em tom depreciativo"

O locutor, não sei se incrédulo ou só como resultado da diminuição do volume pergunta:

"Desculpe, é professora de quê?"

ao que ela responde a contragosto:

" Do primeiro ciclo"

DO PRIMEIRO CICLO!
Ainda por cima. Espero que esta nossa amiga não seja representativa da sua espécie... os professores de primeiro ciclo. São comentários como este que arrasam comigo. Estes e a constante e incessante necessidade de repetição que nós, adultos responsáveis, temos de dizer às nossas criancinhas que a matemática é um papão, muito muito difícil. Como que a desculpar o nosso próprio falhanço. Com este espírito, como é que alguém pode esperar que as notas a esta tão nobre disciplina possam ser superiores a um qualquer mediocre número de 1 dígito.

Mas voltemos ao que aqui me trouxe. Já sabia que à vontade 80% dos portuguesinhos, esse povo tão simpático, estava descontente com o seu trabalho (porque já não tenho coragem de lhe chamar profissão). Eu própria dei por mim ontem a ficar completamente atordoada quando me perguntaram o que fazia. É tão banal! Sou tão banal! Quase inventei uma qualquer profissão muito entusiasmante que me fizesse brilhar. Contive-me. Balbuciei... tretas!.

Mas isso não justifica a nossa professorinha. Se há profissões que têm que ser quase que um acto de fé, esta é com certeza uma delas. Não podemos ensinar as nossas criancinhas enquanto não aparece nada melhor. É por estas e por outras que elas também só vão aprendendo enquanto não aparece nada melhor.

Vamos ouvindo a Comercial e as Sónias desta vida enquanto nãoi aparece nada melhor!

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

"...
Não quero que vacilem o teu riso ou os teus passos
Não quero que morra a minha herança de alegria
Não me chames, estou ausente
Vive na minha ausência como numa casa
..."

"...
Amo-te para começar a amar-te
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca
por isso não te amo ainda
..."

Bom dia! 

Porque é que ninguém me disse que era tão fácil?
Há meses que me queixo. Chego àquela enorme caixa de fósforos verdinha, tipo gaiola, definitivamente mais acelerada do que seria de esperar. Uma autêntica bomba relógio quase roxa e afogueada. Há meses que tento esgueirar-me todas as manhãs para a minha cadeira sem que ninguém me veja, tentando parecer atarefadíssima momentos depois de ter sentado o meu real traseiro no assento verde.

Já tinha começado a ter uma alergia matinal a tudo o que fosse verde (vegetais incluídos!).

Tudo em prol de mais uns minutinhos entre as almofadas e edredons que jurava que não podia prescindir. Era assim. Orgulhava-me de ser a melhor criminosa do trânsito em toda a cidade. Tudo cronometrado ao segundo. 100 metros pelo BUS, mais 100 entre as 3 faixas que antecedem os túneis. Acelera, trava. Saltamos para o BUS outra vez!

É boa esta sensação de impunidade face à desobediência! Os outros são mesmo estúpidos! Yes, hoje consegui menos que ontem! Se não fosse o estúpido do fogareiro tinha sido um record. Tenho a certeza!

Quando entro na selva verde penso... finalmente vou poder descansar!.... Bahhhh! Calem-se todos, mãos nos ouvidos, não ouço nada!, não estou a ouvir nada!

Afinal era tão simples. Afinal aqueles minutos entre almofadas não servem para nada.

Lisboa é tão bonita despida, silenciosa. Há gente simpática na rua. A senhora de camisa às riscas quer entrar. Com certeza minha senhora! Ponho-me a pensar que não tem um ar muito executivo, nem muito "dondoco". Tem um BMW série 5. Aposto que é dela! Não tem ar de quem se contenta com o carro do marido. O que fará? Já sei. Foi das primeiras, das pioneiras a entrar para o mundo da informática dos homens. Deu-se bem! É uma funcional! Tenho a certeza. Ganha mais que o marido, mas ele não se importa com isso. A vida corre-lhes bem. Já não têm que se preocupar com os filhos, dois rapazes na casa dos vinte que não tarda, saem de casa. Terão a casa só para eles! Redescobrir-se-ão de novo, viverão um amor renovado. Ela parou! Estúpida! Fico por aqui também. Já deixei passar 2 lugares. Os meus lugares secretos. Os restos da minha vida de criminosa! A lembrança de que nem sempre tenho que jogar pelas regras.

Às vezes compensa! Bom dia sra dra. Não se esqueça de ir buscar o bolo do Zé. O jantar de aniversário é hoje.

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